Entre centenas de contos escritos por Malba Tahan, destaca-se a história Aprenda a escrever na areia. Muitas outros contos poderiam ser transcritos nesta pagina. Esse, especialmente, predileto do filho mais novo do autor, Ivan Gil de Mello e Souza, é o que melhor revela o espirito criativo, generoso e muito inteligente de Malba Tahan, sempre buscando transmitir em suas histórias o sentido mais nobre da existência humana. Deseja-se, aqui, deixá-lo registrado.

 

Aprende a escrever na areia

Dois amigos, Mussa e Nagib, viajavam pelas longas estradas que recortam as tristes e sombrias montanhas da Pérsia. Eram nobres e ricos e se faziam acompanhar de servos, ajudantes e caravaneiros. Chegaram, certa manhã, às margens de um grande rio barrento e impetuoso. Era preciso transpor a corrente ameaçadora. Ao saltar, porém, de uma pedra, Mussa foi infeliz e caiu no torvelinho espumante das águas em revolta.

Teria, ali, perecido, arrastado para o abismo, se não fosse Nagib. Este, sem a menor hesitação, atirou-se à correnteza e livrou da morte o seu companheiro de jornada. Que fez Mussa? Ordenou que o mais hábil de seus servos gravasse na face lisa de uma grande pedra, que ali se erguia, esta legenda admirável:

“Viandante: neste lugar, com risco da própria vida, Nagib salvou, heroicamente, seu amigo Mussa”.

Feito isso, prosseguiram, com suas caravanas, pelos infindáveis caminhos de Allah. Cinco meses depois, em viagem de regresso, encontraram-se os dois amigos naquele mesmo lugar perigoso e trágico. E, como se sentissem fatigados, resolveram repousar à sombra acolhedora do lajedo que ostentava a honrosa inscrição. Sentados, pois, na areia clara, puseram-se a conversar. Eis que, por motivo fútil, surge, de repente, grave desavença entre os dois companheiros. Discordaram, discutiram. Nagib, exaltado, num ímpeto de cólera, esbofeteou brutalmente o amigo. Que fez Mussa? Que farias tu em seu lugar? Mussa não revidou a ofensa. Ergueu-se e, tomando tranqüilo o seu bastão, escreveu na areia clara, ao pé do negro rochedo:

“Viandante: neste lugar, por motivo fútil, Nagib injuriou, gravemente, seu amigo Mussa”.

Surpreendido com o estranho proceder, um dos ajudantes de Mussa observou, respeitoso: – Senhor! Da primeira vez, pra exaltar a abnegação de Nagib, mandastes gravar, para sempre, na pedra, o feito heroico. E agora que ele acaba de ofender-vos tão gravemente, vós vos limitais a escrever, na areia incerta, o ato e a covardia! A primeira legenda, ó xeique, ficará para sempre. Todos os que transitarem por este sítio dela terão notícia. Esta outra, porém, riscada no tapete de areia, antes do cair da tarde, terá desaparecido como um traço de espuma entre as ondas buliçosas do mar.

Respondeu Mussa: – A razão é simples. O benefício que recebi de Nagib permanecerá, para sempre, em meu coração. Mas a injúria… essa negra injúria… escrevo-a na areia, como um voto, para que, se depressa daqui se apagar e desaparecer, mais depressa, ainda desapareça e se apague da minha lembrança!

Eis a sublime verdade, meu amigo! Aprende a gravar, na pedra, os favores que receberes, os benefícios que te fizerem, as palavras de carinho, simpatia e estímulo que ouvires. Aprende, porém, a escrever, na areia, as injúrias, as ingratidões, as perfídias e as ironias que te ferirem pela estrada agreste da vida. Aprende agravar, assim, na pedra; aprende a escrever, assim, na areia… e serás feliz.

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